terça-feira, 28 de abril de 2009

Folhas que caem.

Entardecer.


No dia seguinte, apesar de toda a agitação que tomava conta de Luminares, eu permanecia estranhamente alheio a tudo aquilo. Tudo em que eu pensava era na noite anterior, em como minha mente parecia vagar pela noite junto de Alandriel, de como tudo parecia calmo, tranquilo. Não havia preocupações, não havia guerra, apenas a noite. Tudo isso trazia-me a memória dias de um tempo que parece distante como as estrelas, apesar de ter se passado apenas alguns anos. Um tempo onde as tardes eram medidas com risos e as noites, com suspiros. Lembrei de um tempo que, temo, não mais retornará. De quando ainda tinha poucos verões e apenas começara meu treinamento junto aos mestres de armas. O tempo onde conheci Alandriel, lembrei-me de todo o tempo que passamos juntos desde então, de todas as terdes que passamos na floresta, todas as noites que passamos a contemplar as estrelas, lembrei-me de nossos beijos sob os olhos da Lua, de nossa vida antes que a tragédia nos separasse... Assim passei meus dias, marcados por lembranças pontuadas de esperança.


Quando Pelor já ia alto no quarto dia após o conselho e meus pensamentos me levavam para longe dali, Ellandan bateu a minha porta. Perguntou-me o que eu ainda fazia ali quando deveríamos nos reunir com Ainun. Parece que novamente perdi a noção do mundo fora de meus pensamentos. Dei a Ellandan qualquer resposta e fui com ele até onde éramos chamados. Pelo caminho notei que todos nos olhavam, a notícia de que partiríamos em breve já havia se espalhado tornando a guerra definitivamente real, não era mais um pesadelo do qual poderíamos acordar.


Em pouco tempo chegamos a Clareira Central, onde se encontra o altar de nosso povoado, um pequeno altar em pedra, de uma beleza simples, marcada por outras eras. Ali, parados ao lado do altar, estavam: Ainun, o sábio, e sua mulher com a filha recém nascida nos braços, Sehanine, a Bela, e outras sacerdotisas. Ele nos disse que os preparativos para nossa empreitada estavam terminados e que partiríamos na próxima aurora. Dito isto fomos encaminhados ao centro do altar e ali recebemos a bênção dos deuses. Que todos eles estejam conosco e nos protejam.

Após a cerimônia todos regressaram para suas casa. Todos menos eu, fiquei para trás para poder fazer eu mesmo minhas oferendas à Melora. Que a deusa tome em suas mãos o meu destino e de àqueles que cruzarem minhas espadas uma morte rápida. Quando terminei todos já haviam partido. Pelor já se deitava e o céu estava pintado de bronze, como as folhas no chão. Foi então que notei um pequeno pássaro de um negrume sublime. Era um corvo, um mensageiro da Dama-Sem-Nome. Aproximei-me dele e lhe ofereci algumas frutas que trazia comigo, uma oferenda para que ele e sua senhora continuassem em paz por sua jornada e guardassem do perigo aqueles que nos são queridos.

Ele aceitou minha oferta e quando me aproximei notei em seus olhos muito mais do que esperava. Seus olhos guardavam sentimentos antigos e - teria sido impressão minha? - uma tristeza tocante. Como um pássaro, mesmo um símbolo dos deuses, poderia ter olhos tão humanos? E então ele foi embora, deixando-me sozinho.


Levantei-me e me virei para tomar o rumo de minha cabana, desconcertado por aquele curioso encontro. Os olhos do pássaro, tão expressivos, me eram de certa forma familiar. Comecei minha caminhada de volta para casa e, quando levantei os olhos para encontrar o caminho, lá estava ela, parada em meio as árvores. Seus cabelos, negros como a noite, estavam soltos sobre seus ombros, confundindo-se com sua túnica.

- Diga-me que não é verdade. - disse-me Alandriel. Só então percebi que ela parecia chorar.

- Temo que não poderia fazer isto minha senhora pois assim estaria mentindo. - Meus olhos fitavam o chão, não ousava encará-la.

- Por que, diga-me por quê? - O tom em sua voz era quase uma súplica.

- Eu parto “pela culpa... - pensei” para proteger Luminares. - respondi. Eu sabia que ela me culpava pelo que havia acontecido cinco anos antes. Eu me culpava. Aquele sentimento me esmagava a cada dia, já não podia ficar ali. Sabia que não poderia deixar acontecer novamente, dessa vez eu faria algo para proteger os que eu amava.

- OLHE-ME NOS OLHOS. - gritou ela. Sua atitude me surpreendeu e ela se aproximou. - Eu nunca o culpei pela morte de meu irmão. - e então ela me beijou.

Seus lábios ainda guardavam a macies da primavera. Seu beijo foi como um sopro de vida em minha alma, e como eu precisava dele.

- Volte para mim. – sussurou em meus ouvidos e assim me deixou, novamente sozinho, no último raio de luz que banhava o entardecer.

Um comentário:

Vamos lá! Não se acanhe, dê seu palpite!